Eduardo Lourenço, Revista Única, Expresso, 31 de Dezembro de 2009
Ele viveu como se não tivesse existência real. É por outro lado, está escrito, embora achasse que a fama e a glória eram o cúmulo da vulgaridade, teve uma exigência de mortalidade mais alta.
Pessoa afirmou-se como supra-Camões não por querer ser superior a Camões, mas por ser o Camões do tempo dele.
No ortónimo, coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. A tradicional caracteriza-se por uma continuidade do lirismo português, observa-se a influência lírica de Garrett ou do sebastianismo e do saudosismo, apresentando suavidade rítmica e musical, em versos geralmente curtos.
Na segunda, a modernista, manifesta-se um processo de ruptura., onde encontramos experimentações modernistas com a procura da intelectualização das sensações e dos sentimentos.
A poesia é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência de si mesmo implica. Assim, ressalta a intelectualização do sentimento, tendo como consequência um acto de fingimento.
O fingimento implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar. Torna-se, deste modo, numa transfiguração tanto pela imaginação, como pela inteligência, naquilo que sente naquilo que escreve. Fingir é, então, inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar.
Esta dialéctica da sinceridade/fingimento surge também associada à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar, o que lança o poeta na busca da felicidade, mas que esbarra sempre na frustração, pois ele não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência.
Este contraditório permanente faz Pessoa procurar, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir.
Segundo esta perspectiva temos pois o cruzamento de planos, o interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e idealidade, o que se insinua como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.
Temática:
- sinceridade/fingimento poético
- sentir/pensar – dor de pensar e viver
- angústia existencial
- desagregação do tempo: regresso à infância
- nostalgia da infância
- fragmentação do “eu”
- despersonalização
- consciência/inconsciência
- identidade perdida e a sua incapacidade de autodefinição (p.ex: “Gato que brinca na rua”)
- tensão pensamento/vontade e esperança/desilusão
-intelectualização dos sentimentos
-interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade
-o ocultismo
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