domingo, 11 de outubro de 2009

Fernando Pessoa - ortónimo

Eduardo Lourenço, Revista Única, Expresso, 31 de Dezembro de 2009

O Pessoa era um narciso, claro, um narcisista da invisibilidade. Não consigo imaginar o Pessoa fora do mundo que foi o seu. Como o Kafka. São gente que viveu dentro da sua ausência. A sua visibilidade veio depois, e se a tivessem tido antes não seriam os autores que foram.

Ele viveu como se não tivesse existência real. É por outro lado, está escrito, embora achasse que a fama e a glória eram o cúmulo da vulgaridade, teve uma exigência de mortalidade mais alta.

Pessoa afirmou-se como supra-Camões não por querer ser superior a Camões, mas por ser o Camões do tempo dele.

No ortónimo, coexistem duas vertentes: a tradicional e a modernista. A tradicional caracteriza-se por uma continuidade do lirismo português, observa-se a influência lírica de Garrett ou do sebastianismo e do saudosismo, apresentando suavidade rítmica e musical, em versos geralmente curtos.

Na segunda, a modernista, manifesta-se um processo de ruptura., onde encontramos experimentações modernistas com a procura da intelectualização das sensações e dos sentimentos.

A poesia é marcada pelo conflito entre o pensar e o sentir, ou entre a ambição da felicidade pura e a frustração que a consciência de si mesmo implica. Assim, ressalta a intelectualização do sentimento, tendo como consequência um acto de fingimento.

O fingimento implica o trabalho de representar, de exprimir intelectualmente as emoções ou o que quer representar. Torna-se, deste modo, numa transfiguração tanto pela imaginação, como pela inteligência, naquilo que sente naquilo que escreve. Fingir é, então, inventar, elaborar mentalmente conceitos que exprimem as emoções ou o que quer comunicar.

Esta dialéctica da sinceridade/fingimento surge também associada à da consciência/inconsciência e do sentir/pensar, o que lança o poeta na busca da felicidade, mas que esbarra sempre na frustração, pois ele não consegue fruir instintivamente a vida por ser consciente e pela própria efemeridade. Muitas vezes, a felicidade parece existir na ordem inversa do pensamento e da consciência.

Este contraditório permanente faz Pessoa procurar, através da fragmentação do eu, a totalidade que lhe permita conciliar o pensar e o sentir.

Segundo esta perspectiva temos pois o cruzamento de planos, o interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e idealidade, o que se insinua como tentativa para encontrar a unidade entre a experiência sensível e a inteligência.

O tempo, na poesia pessoana, é um factor de degradação, porque tudo é efémero o que se traduz numa desilusão.

Temática:

- sinceridade/fingimento poético

- sentir/pensar – dor de pensar e viver

- angústia existencial

- desagregação do tempo: regresso à infância

- nostalgia da infância

- fragmentação do “eu”

- despersonalização

- consciência/inconsciência

- identidade perdida e a sua incapacidade de autodefinição (p.ex: “Gato que brinca na rua”)

- tensão pensamento/vontade e esperança/desilusão

-intelectualização dos sentimentos

-interseccionismo entre o material e o sonho, a realidade e a idealidade

-o ocultismo

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