quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Memorial do Convento


1. Acção
Planos de acção:
1- construção do Convento de Mafra – o desejo do poder e a sua ostentação
2- amor de Blimunda e Baltasar – a capacidade de sobrevivência
3- construção da Passarola – o esforço e a vontade humana tudo conseguem
4- encaixe de outras narrativas
Personagens:

D. João V
- rei absoluto por direito divino
- ser superior a que é obrigatório obedecer e amar
- vaidoso e arrogante
- personagem adúltera, com dissolução moral, dado ao amor sensual e carnal
- megalómano e egocêntrico (“Medita D. João V no que fará a tão grandes somas de dinheiro, a tão extrema riqueza”)
- figura ridicularizada
- não tem qualquer laço afectivo com a rainha
Rainha D. Maria Josefa

- esposa de D. João V
- dedicada, obediente e respeitadora
- mulher passiva, apática e infeliz
- cumpre as regras e deveres de rainha, mas não ama o marido
- recalcada sexualmente
- devota, piedosa e frequentadora assídua de confrarias e igrejas paroquiais
- peca duplamente: sonha com o cunhado D. Francisco e esconde essa fantasia do seu confessor
Blimunda

- mulher misteriosa de olhos fascinantes e cor indefinida
- poder extraordinário de ver o interior dos corpos e da terra
- dotada de vidência
- sublime grandeza moral
- discreta, decidida, perspicaz, intuitiva, forte, inteligente, fiel e inabalável no amor
- dotada de pensamento lógico
- mulher apaixonada e encantada
- representa a força que permite ao povo a sobrevivência, assim como contestar o poder e resistir
- o seu misticismo, ligado aos seus poderes metafísicos, dá ao inventor Bartolomeu a energia que a Física ainda não havia alcançado/inventado
Por fim, passa nove dramáticos anos à procura do seu grande amor; a este amor nem as chamas da fogueira inquisitorial conseguem pôr fim.

Baltasar Mateus
- homem do povo, nascido em Mafra
- sem a mão esquerda, perdida na guerra e substituída por um gancho: «pedia esmola em Évora para juntar as moedas que teria de pagar […] fazer as vezes da mão»
- trabalhador, rude, antes de conhecer Blimunda e guerreiro
- homem apaixonado e encantado
- o amor por Blimunda eleva-o espiritualmente
- sonhador – partilha do sonho do Padre de construir a passarola, ajuda-o na sua construção e participa no voo “inaugural”
- conhece Blimunda num auto-de-fé em Lisboa
- vai envelhecendo ao longo da história
Baltasar Mateus, vulgo “Sete-Sóis”, é uma das personagens principais, juntamente com Blimunda. Participou na Guerra da Sucessão de Espanha, na qual ficou sem a mão esquerda, crítica à inutilidade da participação de Portugal nessa guerra – “haveria de decidir quem viria a sentar-se no trono de Espanha (…) português nenhum”.
Foi mandado embora, sem recompensa, do exército por não ter utilidade. Participa activamente na construção da passarola, porquanto é com as instruções do Padre e as suas mãos que a obra nasce.

Padre Bartolomeu de Gusmão

- capelão e orador na corte
- pregador talentoso (“comparado ao Padre António Vieira”)
- angustiado pelas dúvidas religiosas
- homem culto (“doutor em canonês”) e dado a experiências aerostáticas
- sonhador, visionário e, por isso, perseguido pela Inquisição
- tem o apoio do rei D. João V
- constrói o seu projecto na quinta do Duque de Aveiro, em S. Sebastião da Pedreira
- era apelidado de Voador, pelas suas ideias
- assolado pela complexidade e excentricidade, sendo um homem fragmentário e atormentado

Domenico Scarlatti
- músico italiano, talentoso, culto e sonhador
- de espírito esclarecido
- professor da princesa D. Maria Bárbara, pela qual veio para Portugal
- “rosto comprido, boca larga e firme, olhos afastados e nascido em Nápoles há 35 anos”
- conhece e partilha o segredo da construção da passarola
- representa a arte, é a sua música que cura Blimunda
- ao ver partir a passarola esconde/atira o cravo para dentro do poço, em Monte Junto, local onde permanece eternamente

Tempo da História
A passagem do tempo está assinalada por marcos cronológicos explícitos e implícitos.
- 1717 – início das obras de construção do Convento, com a bênção da primeira pedra
- 1723 – surto de febre amarela em Lisboa
- 1724 – furacão em Lisboa (19 Novembro)
- 1729 – casamento dos príncipes
- 1730 – sagração da Basílica de Mafra no dia do 41º aniversario de rei (22 Outubro)
- 1739 – “Durante nove anos, Blimunda procurou Baltasar”; reencontra Baltasar num auto-de-fé (18 Outubro)
 
Tempo do discurso

Ao nível do tempo do discurso, verificamos uma linearidade, respeitando a cronologia. No entanto, recupera-se alguns fragmentos temporais ou antecipa-se outros. As analepses são pouco significativas, justificando apenas projectos anteriores; já as prolepses conferem ao narrador o estatuto de omnisciência e transformam o discurso num todo compreensível.

Espaços

- Terreiro do Paço
- Rossio
- São Sebastião da Pedreira
- Odivelas
- Xabregas
- Azeitão
- Alto da Vela
- Pêro Pinheiro
- Serra do Barregudo, no Monte Junto
- Torres Vedras
Existe ainda referências a outros lugares de menor importância: Jerez de los Caballeros, Olivença, Montemor, Aldegalega, Morelena, Pegões, Vendas Novas, Évora, Elvas, Caia, Coimbra, Holanda e Áustria.
- na construção do Convento percebemos a pobreza e a miséria do povo, aliadas à sua simplicidade
- o ambiente religioso mostra-se apto à corrupção e às situações de imoralidade
- Casa da Blimunda; é neste espaço que se inicia a relação amorosa de Blimunda e Baltasar. É daqui que partem estas personagens ao encontro do Padre Bartolomeu para o ajudarem a construir a máquina voadora/passarola, em São Sebastião da Pedreira.
- Casa de Baltasar; espaço de comunhão familiar, encontrando Baltasar aí o calor da lareira; mais, é neste local que sonha, ama e sofre.

Grande parte do espaço psicológico da obra é-nos dado pelos recantos da vida íntima de D. João V, da rainha D. Maria Ana, de Blimunda e de Baltasar.

Espaço Psicológico

- Palácio Real; espaço onde abunda a ausência de intimidade, tratando-se de um local onde os afectos simplesmente não existem ou não passam de farsas

- ambiente na corte é representativo do luxo, da riqueza e das aparências, um ambiente cheio de frivolidades e intrigas.

O cenário do Memorial assenta na autenticidade histórica da promessa de D. João V, conjugada com a construção de personagens fictícias ou imaginários.

Lisboa surge como espaço social: “boca que mastiga de sobejo para um lado e de escasso para o outro”, mistura entre a riqueza e a pobreza extremas, não existindo meio-termo.
Mafra surge como espaço social: constantes referências a que dava trabalho para muito gente, mas socialmente destruía muitas famílias e criava marginalização.
Alentejo surge como espaço social: zona representativa da pobreza, da miséria e das difíceis condições de vida dos “provincianos”.

Espaço Social

Os macroespaços físicos privilegiados pela acção são; Lisboa e Mafra.
Narrador

- narrador heterodiegético: o narrador relata a história, na qual não participa como personagem, apenas sabe o que se passou e relata-o, narra na terceira pessoa.
- narrador homodiegético: o narrador participa na acção como personagem secundária: «e esta sou eu, Sebastiana Maria de Jesus», narra na primeira, segunda e terceira pessoa.
- narrador omnisciente: o narrador é simultaneamente personagem principal, tendo conhecimento total dos acontecimentos passados e futuros, podendo divagar dentro da história e transmitir as sensações das personagens (p. ex: o narrador está a narrar a procissão no momento em que ocorre).

Linguagem e estilo

. Encontramos ainda o uso subversivo da maiúscula no interior da frase.
. Utilização predominante do presente, o que marca o fluir da narração e do tempo.
. Mistura dos discursos; directo, indirecto, indirecto livre, monólogos interiores o que nos aproxima da tradição oral, revelando uma interacção entre o narrador, o contador, e os ouvintes.
. Marcas da coloquialidade
. O tom cómico, trágico, épico
-supressão dos pontos de interrogação e exclamação, bem como dos dois pontos e dos travessões
-predomínio da ironia, dos diminutivos, dos advérbios de modo, da adjectivação, da anáfora, da enumeração, da personificação…
 
- utilização do Registo de Língua Familiar e Popular
- oposições sugeridas por vocábulos antónimos
- construção frásica Ÿ frases muito longas
- utilização do polissíndeto (repetição dos elementos de ligação)
- ausência de sinais gráficos indicadores de diálogo
- exclamações e “apartes”
- intervenção frequente do narrador através de comentários;
- emprego de aforismos, provérbios e ditados populares.

- figuras de estilo: metáfora; ironia; hipálage; enumeração;

Características de pontuação:

. Como marca essencial do estilo de Saramago podemos referir a ausência de pontuação convencional, com a vírgula a assumir um papel de maior relevância, marcando as intervenções das personagens, o ritmo e as pausas.


1.Transgressão das regras habituais de pontuação


 

Tempo do Discurso

O tempo da história dura 28 anos, entre 1711 e 1739.

- 1711 – início da acção; D. João V promete erguer o Convento de Mafra caso tenha um filho no espaço de um ano

Classificação tipológica de: «Memorial do Convento»

- romance histórico, embora haja uma narração subjectiva, estamos perante a reconstituição de ambientes e feitos da sociedade portuguesa do séc. XVIII; a sumptuosidade da corte de D. João V, a Inquisição, o povo observados como tijolos de construção do convento. Como fundamentos históricos podemos referir: a Guerra da Sucessão espanhola, a imponente dramatização dos autos-de-fé e a sua barbárie, a construção do convento, os esponsais da Infanta Maria Bárbara, a construção da Passarola, entre outros.
- romance social, seguindo uma linha neo-realista, o autor dá relevância à realidade social, denunciando e criticando as desigualdades entre as classes sociais, a opulência do rei em contradição à extrema pobreza do povo oprimido, a repressão, o medo e a violência do auto-de-fé, destacando-se, assim, como crónica de costumes. Estamos, pois, perante um romance de «intervenção».
- romance de espaço, enquanto romance que reconstitui cenários que caracterizam a época e o ambiente histórico, apresentando vários quadros sociais que permitem um melhor conhecimento do ser humano. Veja-se os cenários de Lisboa e os lugarejos e aldeias limítrofes.

Memorial do Convento, José Saramago

A acção de: Memorial do Convento tem início por volta de 1711, 3 anos depois do casamento de D. João V com D. Maria Ana Josefa de Áustria e termina 28 anos depois (1739), aquando da realização do auto-de-fé que determina a morte de António José da Silva, o Judeu, e de Baltasar Sete Sois.

A acção desenrola-se na primeira metade do séc. XVIII, período em que D. João V dirigia os destinos da nação. O seu reinado é uma continuidade da política absolutista, que era alimentada pelas enormes remessas de ouro vindas do Brasil. Neste tempo, as condições da economia portuguesa melhoraram, embora ocorressem problemas políticos com Espanha, a Guerra da Sucessão. Em Portugal vive-se um clima de iluminismo, movimento filosófico que visou difundir o racionalismo cartesiano e o experimentalismo de Bacon, conforme se demonstra no romance com a construção da passarola.

Para travar estas novas ideologias, a Inquisição reforça, nesta época, o seu poder que estende a todos os sectores da sociedade. Ao Tribunal do Santo Ofício cabe o julgamento de vários tipos de crime e os autos-de-fé constituíam a melhor forma de exibir o poder inquisitorial.

Entre o título e o conteúdo da obra existe uma relação e uma carga simbólica sugerida pelas memórias evocativas do passado e pressuposições existenciais, ao remeter-nos para o mundo místico e misterioso.

Por sua vez, o convento liga-se ao sonho dos frades que aproveitam a oportunidade para terem um convento, pretexto para reflectir a magnificência da corte de D. João V e do poder absoluto, o que se contrapõe ao sacrifício e à opressão do povo que nele trabalhou, muitas vezes aniquilado para servir o sonho de seu rei.

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O épico de Brecht

Bertolt Brecht (1898-1956), poeta e dramaturgo alemão.

Dava grande importância à dimensão pedagógica das suas obras de teatro. Defendia a distanciação entre espectador e as personagens, sendo contrário à passividade do espectador, a sua intenção era formar e estimular o pensamento crítico do público. Para isso, servia-se de efeitos de distanciamento, como máscaras, entreactos musicais ou painéis nos quais se comentava a acção. Procurava despertar no espectador uma tomada de consciência. Sendo um autor de comprometimento político, com ideais marxistas, rompe com o teatro naturalista. Para ele, Teatro é comprometimento, com objectivo de mudar a sociedade. Para ele, «O Teatro não está ao serviço do poeta, está ao serviço da sociedade».

Samuel Beckett (1906-1989), Prof. Univ. em França; dramaturgo irlandês.

Um dos fundadores do teatro do absurdo, é considerado um dos principais autores do século XX. Com «Esperando Godot», Beckett iniciou, ao mesmo tempo que Ionesco, o teatro do absurdo. As suas personagens reflectem um mundo onde não se acredita no universal e no divino transcendente, no qual o homem é deixado sozinho e sem nenhum suporte de fé, daí tudo ser válido para um entendimento do mundo, donde o absurdo se pode afigurar como uma resposta válida para a angústia do homem. Em 1969, Beckett ganhou o Prémio Nobel de Literatura. Cultivou temas como a solidão, o isolamento, o sofrimento.

John Osborne (1929-1994), dramaturgo inglês.

Ligado ao movimento dos «rapazes zangados» «angry young men». Com a obra «Look Back in Anger» (1956) revolucionou o teatro Inglês. É uma declaração de guerra absurdo. Uma declaração de guerra contra um império em decadência (anos 50). Apresenta como causas; a nostalgia, a depressão e perda de notoriedade de Inglaterra. No seu mais famoso jogo, Osborne castigou a hipocrisia da classe média baixa, com o seu humor «excoriating». Era contra o «Establishement», procurando pôr em causa as bases do poder tradicional, visava a reforma social.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Felizmente há Luar! Símbolos, estrutura

1 – A saia verde

Ao longo da vida: a felicidade; a esperança; a liberdade

No momento da morte: a alegria do reencontro; a tranquilidade

2 – «Felizmente Há Luar!» / A luz/ A noite/ O luar

O título é referido duas vezes ao longo da peça. Primeiro por D. Miguel, salientando que o Luar permitirá à população de Lisboa testemunhar as execuções ao longo da noite, funcionando como elemento dissuasor dos espíritos revoltosos.

Um segundo momento, acontece no fim da obra pelas palavras de Matilde, dando ênfase ao Luar como para desmascarar e mostrar à população o sinal que necessitavam para criar um espírito de revolta contra a tirania e a injustiça.

A luz exprime uma carga semântica associada à vida, à saúde, à felicidade, à revelação e ao conhecimento. Pelo contrário, a noite transportam consigo as trevas e conota-se com o mal, a infelicidade, o castigo, a perdição e a morte.

A lua reflecte a luz que o sol lhe proporciona, é dependente e encerra fases, exprimindo-se em formas. Assim, prefigura a dependência, a periodicidade e a renovação. A lua é um símbolo de transformação e de crescimento.

Sob esta dupla perspectiva, a expressão: « Felizmente há Luar» pode indiciar por um lado, as forças das trevas, do ardil obscuro, do anti-humanismo. No entanto, a luz pode ser redentora e o luar simbolizar a caminhada da sociedade em direcção à redenção, neste contexto a libertação da ditadura a favor da democracia.

3 – A Fogueira/ O lume

Representa o máximo da repressão e do terror.utilizam, mas paradoxalmente pode ser fonte de luz e de calor para purificar a sociedade.

4 – A moeda de cinco réis

Surge como referência de esmola e caridade dos poderosos e ricos para com os pobres.É um símbolo de desrespeito e apresenta-se como represália, quase vingança, na atitude de Manuel ordenar a Rita para dar a moeda a Matilde.

5 – Os Tambores

Instrumento de guerra, associado a repressão, provocam o medo e prenunciam uma atmosfera trágica da acção.

Estrutura externa e estrutura interna

Exposição - Acto I; apresentação das personagens e da época em que a acção decorre (referência às invasões francesas, à ausência do Rei D. João VI, ao poder militar britânico).

Conflito - Acto I; acção dos delatores e do poder instituído, organização da prisão de Gomes Freire. Climax do texto; Acto II; prisão do General Gomes Freire d´ Andrade.

Desenlace - Acto II; morte do General Gomes Freire d´ Andrade em S. Julião da Barra.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Felizmente Há Luar - personagens

Gomes Freire – figura carismática, que preocupa os poderosos, acredita na justiça, luta pela liberdade e arrasta os pequenos. Considerado um “estrangeirado”, revela-se simpatizante das novas ideias liberais, tornando-se para os governantes um elemento subversivo e perigoso. O povo elege-o como símbolo da luta pela liberdade, o que é incómodo para os “reis do Rossio”. Daí a decisão dos governantes pelo enforcamento, seguido da queima, para servir de exemplo a todos aqueles que temem afrontar o poder político.

D. Miguel Forjaz – primo de Gomes Freire, prepotente, assustado com transformações que não deseja, corrompido pelo poder, vingativo, frio, desumano, calculista; nas palavras de Sousa Falcão, D. Miguel “é a personificação da mediocridade consciente e rancorosa”.

Principal Sousa – fanático, corrompido pelo poder eclesiástico, odeia os Franceses, porque “transformaram esta terra de gente pobre mas feliz num antro de revoltados!”; afirma, preocupado, que “Por essas aldeias fora é cada vez menor o número dos que frequentam as igrejas e cada vez maior o número dos que só pensam em aprender a ler...”.

Beresford – poderoso, mercenário, interesseiro, calculista, trocista, sarcástico; a sua opinião sobre Portugal fica claramente expressa na afirmação “Neste país de intrigas e de traições, só se entendem uns com os outros para destruir um inimigo comum e eu posso transformar-me nesse inimigo comum, se não tiver cuidado.”

Vicente – demagogo, sarcástico, falso humanitarista, movido pelo interesse da recompensa material, adulador no momento oportuno, hipócrita, despreza a sua origem e o seu passado, mostra-se capaz de recorrer à traição para ser promovido socialmente... Autocaracteriza-se quando diz: “Só acredito em duas coisas: no dinheiro e na força. O general não tem uma nem outra e (...) Os degraus da vida são logo esquecidos por quem sobe a escada... Pobre de quem lembre ao poderoso a sua origem... Do alto do poder, tudo o que ficou para trás é vago e nebuloso. (...) Nunca se fala de traição a quem sobe na vida...”.

Manuel – “O mais consciente dos populares”, andrajosamente vestido; assume algum protagonismo por dar início aos dois actos, com as mesmas indicações cénicas: a mesma posição em cena, como única personagem intensamente iluminada, os mesmos movimentos e a mesma frase “Que posso eu fazer? Sim, que posso eu fazer?”. Denuncia a opressão a que o povo tem estado sujeito (as Invasões Francesas; a “protecção” britânica, após a retirado do rei D. João VI para o Brasil) e a incapacidade de conseguir a libertação e sair da miséria em que se encontra: “Vê-se a gente livre dos Franceses e zás!, cai nas mãos dos Ingleses! E agora? Se acabarmos com os Ingleses, ficamos na mão dos reis do Rossio... Entre os três o diabo que escolha ... (...) E enquanto eles andam para trás e para a frente, para a esquerda e para a direita, nós não passamos do mesmo sítio!”

Sousa Falcão – “o inseparável amigo”, sofre junto de Matilde perante a condenação do general; assume as mesmas ideias de justiça e de liberdade, mas não teve a coragem do general...

Matilde de Melo – “a companheira de todas as horas” de Gomes Freire, é uma mulher corajosa:

– exprime romanticamente o amor; reage violentamente perante o ódio e as injustiças; afirma o valor da sinceridade; desmascara o interesse, a hipocrisia: “Ensina-se-lhes que sejam valentes para um dia virem a ser julgados por covardes! Ensina-se-lhes que sejam leais, para que a lealdade, um dia, os leve à forca!”;

– ora desanima, ora se enfurece, ora se revolta, mas luta sempre: “Enquanto houver vida... força... voz para gritar... Baterei a todas as portas, clamarei, por toda a parte, mendigarei, se for preciso, a vida daquele a quem devo a minha!”

Populares – representam uma classe oprimida, sobre a qual era exercida a violência; funcionam como uma espécie de “coro” (da tragédia). As suas falas denunciam a pobreza e a ironia é a sua arma: “Alguém aqui tem relógio? […]; Esqueceram-se dos relógios em casa...”.

Por outro lado, permitem-nos, através das perguntas que colocam aos seus interlocutores, situar-nos ao nível do tempo histórico:“Onde aprendeu vossemecê isso? -Em Campo d’Ourique – já lá vão dez anos (...)” ou “Em que guerra é que vossemecê andou?”

No segundo acto, as suas falas revestem o carácter de informação/comentário sobre os episódios ao nível da acção dramática: “Passaram toda a noite a prender gente por essa cidade...”; “É por pouco tempo, amigo, espera pelo clarão das fogueiras...”.

In Preparação para o exame 12º Ano, 2010, Porto Editora